Desinformar é a estratégia de boa parte da mídia quando se trata de discutir seu próprio funcionamento. Ao falar de regulação, vigora discurso propositadamente parcial e distorcido
Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff, pré-candidata à
reeleição pelo PT, declarou que, se eleita, enfrentará o debate acerca da
regulação dos meios de comunicação. A afirmação causou furor na mídia
comercial, que não perde oportunidades para alimentar a versão de que há um
plano da esquerda para controlar a mídia e impedir críticas ao governo. O
candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB), também se apressou a reafirmar “o PT
quer censurar a imprensa”.
Neste momento, quanto mais confuso for o debate sobre o
tema, menos resultados ele produzirá. Assim, alguns veículos empenham-se em
embaralhar as informações de forma sofisticada; outros omitem do público
informações relevantes sobre o tema; outros, ainda, divulgam o dito pelo não
dito. O esforço é um só: manter inalterada a atual situação de concentração
econômica e de ausência de diversidade e pluralidade na mídia brasileira.
Tendo em vista esta ostensiva operação para interditar um
debate direto e transparente sobre a regulação da mídia (ação corrente que,
essa sim, caracteriza prática de censura), vamos aos fatos, numa tentativa de
desfazer o labirinto construído em torno do assunto.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a radiodifusão é,
assim como a energia, o transporte e a saúde, um serviço público que, para ser
prestado com base no interesse público, requer regras para o seu funcionamento.
No caso das emissoras de rádio e TV, a existência dessas regras se mostra
fundamental em função do impacto social que têm as ações dos meios de
comunicação de massa, espaço central para a veiculação de informações, difusão
de culturas, formação de valores e da opinião pública.
Lembram os teóricos que a necessidade ou não de regulação de
qualquer setor e a intensidade e o formato dessa regulação estão condicionadas
justamente ao poder potencial que tal setor tem para mudar as preferências da
sociedade e dos governantes. Assim, quanto maior o poder de um determinado
setor e o desequilíbrio democrático provocado, maiores a necessidade e a
intensidade de regulação por parte do Estado.
Portanto, à medida que, ao longo da história, crescem a
presença e influência dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade,
aumenta a necessidade de o Estado regular este poder. Não para definir o que as
emissoras podem ou não podem dizer, mas para garantir condições mínimas de
operação do serviço de forma a manter o interesse público – e não o lucro das
empresas – em primeiro lugar.
Vale lembrar também que, além de um serviço público, a
comunicação eletrônica representa um setor econômico dos mais importantes do
país. Assim como outros, precisa do estabelecimento de regras econômicas para o
seu funcionamento, de modo a coibir a formação de oligopólios ou de um
monopólio num setor estratégico para qualquer nação.
Por fim, o simples estabelecimento de uma regulação da
radiodifusão não pode ser tachado de cerceamento da liberdade de imprensa ou
então de censura porque é isso o que diz e pede a própria Constituição
brasileira de 1988, ao estabelecer princípios que devem ser respeitados pelos
canais de rádio e TV.
No entanto, mais de vinte e cinco anos após sua promulgação,
nenhum artigo de seu capítulo V, que trata da Comunicação Social, foi
regulamentado, deixando um vazio regulatório no setor e permitindo a
consolidação de situações que contrariam os princípios ali estabelecidos.
Os efeitos da não regulamentação constitucional são evidentes:
O artigo 220, por exemplo, define que não pode haver
monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica. Hoje, no entanto, uma
única emissora controla cerca de 70% do mercado de TV aberta.
O artigo 221 define que a produção regional e independente devem
ser estimuladas. No entanto, 98% de toda produção de TV no país é feita no eixo
Rio-São Paulo pelas próprias emissoras de radiodifusão, e não por produtoras
independentes.
Já o artigo 223 define que o sistema de comunicação no país
deve respeitar a complementaridade entre os setores de comunicação pública,
privada e estatal. No entanto, a imensa maioria do espectro de radiodifusão é
ocupada por canais privados com fins lucrativos. Ao mesmo tempo, as 5.000
rádios comunitárias autorizadas no país são proibidas de operar com potência
superior a 25 watts, enquanto uma única rádio comercial privada chega a operar
em potências superiores a 400.000 watts. Uma conta simples revela o evidente
desequilíbrio entre os setores.
Por fim, o artigo 54 determina que deputados e senadores não
podem ser donos de concessionárias de serviço público. No entanto, a família
Sarney, os senadores Fernando Collor, Agripino Maia e Edson Lobão Filho, entre
tantos outros parlamentares, controlam inúmeros canais em seus estados. Sem uma
lei que regulamente tal artigo, ele – como os demais da Constituição – torna-se
letra morta e o poder político segue promiscuamente ligado ao poder midiático.
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